Terá sido casual
o descobrimento do Brasil?
Essa casualidade
terá ficado a dever-se a uma tempestade?
Ou foi o
resultado de um plano secreto arquitectado por D. Manuel? Provavelmente na
sequência de informações que já estariam na posse de D. João II?
Hoje perguntamo-nos com as cartas de ventos e correntes do Atlântico na nossa
frente: o que é que justificaria navegar tanto para sudoeste, numa linha de
rumo contrária aos elementos e de todo desnecessária para dobrar o Cabo da Boa
Esperança? O que é que poderia justificar o incumprimento ou não acatamento das
instruções dadas a Cabral por Vasco da Gama?
Uma tempestade
seria a explicação. Mas o relato de Pero Vaz de Caminha é totalmente omisso e
se ela tivesse ocorrido não a omitiria, o mesmo se dizendo da denominada Relação
do Piloto Anónimo e da Carta de Mestre João, que calculou com alguma
precisão o lugar do “descobrimento” – 17º - a latitude exacta da Baía
Cabrália é de 16º 21’ 22’’.
O Brasil desde
muito cedo, que no processo expansionista se encontra envolto por lendas e
hipóteses incontornáveis. As chamadas Ilhas Brasil de algumas cartas, ainda do
século XIV levantaram dúvidas e inquietaram as mentes de muitos historiadores.
Não nos olvidemos
que em navegação sempre terá sido possível, pelo menos no oceano Atlântico a
descoberta casual de terras, ficando os seus descobridores no anonimato. Basta uma
análise superficial das correntes e ventos do Atlântico Norte e Sul, no Verão e
no Inverno, para que possamos compreender o arrastamento de navios
desgovernados ou com sérias avarias no aparelho para destinos longínquos. O
mesmo poderia acontecer em embarcações onde o falecimento do piloto ou de
outros homens experimentados na arte de navegar, daria a incumbência de
sobrevivência a simples marinheiros e grumetes.
De qualquer modo,
anotemos sequencial e sumariamente as principais hipóteses defendidas por
alguns cronistas e historiadores:
No ano de 565, S.
Brandão partira para o mar em busca de um local retirado e paradisíaco para
meditar e orar a Deus: o Paraíso Terrestre. Segundo uns terá aterrado
nas terras do Brasil, segundo outros nas Bahamas ou na Jamaica.
Estamos perante
uma lenda. Verdade ou mentira, quem o dirá?!
Em 1341 um
capitão de nome Sancho Brandão, da armada do rei português D. Afonso IV terá
aportado no Brasil, desconhecendo-se o local.
Esta tese tem
como principal fundamento a carta do rei ao papa Clemente VI, datada de 12 de
Fevereiro de 1345, onde escreve:
“Diremos
reverentemente a Vossa Santidade que os nossos naturais foram os primeiros que
acharam as mencionadas ilhas do Ocidente (...). Dirigimos para ali os olhos do
nosso entendimento, e desejando pôr em execução o nosso intento, mandamos lá as
nossas gentes e algumas naus para explorarem a qualidade da terra, as quais
abordando as ditas ilhas, se apoderaram, por força, de homens, animais e outras
coisas e as trouxeram com grande prazer aos nossos reinos.”
Não estaria o rei
a referir-se às Ilhas Canárias?
Terá Afonso
Sanchez, nascido na vila de Cascais, onde tem uma rua com o seu nome, atingido
o Brasil ou com maiores dúvidas a América do Norte, em 1486? Será este o piloto
anónimo de Colombo?
Afonso Sanchez,
que terá chegado ao arquipélago da Madeira com dois ou três tripulantes, todos
muito enfermos, onde então se encontrava Cristóvão Colombo por ser casado com a
filha do donatário da Ilha de Porto Santo, acabando por morrer com os seus
companheiros na casa deste, que os acolheu. Este piloto, muitas vezes
denominado Piloto Anónimo, terá por reconhecimento fornecido a Colombo
todas as informações que possuía do achamento de terras para além do Grande Mar
Oceano, fazendo com que o dito Colombo partisse de imediato para Castela,
oferecendo os seus préstimos para a descoberta do caminho por Ocidente para as
Índias.
No ano de 1487,
Pêro Vaz da Cunha, conhecido como Bisagudo, parte da Mina em direcção ao
Oceano, conhecendo-se o rumo mas não a derrota – provavelmente devido à
política de sigilo da Coroa.
O nome de
Bisagudo ficou ligado à carta que Mestre João escreveu ao rei e onde refere uma
carta com a posição do Brasil em poder daquele – vidé supra.
Jean Cousin foi um eminente navegador e soldado. Membro
da Escola de Navegação fundada na cidade francesa de Dieppe.
Principal
discípulo do Pe. Desceliers, brilhante cartógrafo da época.
Em 1488 enceta
uma viagem, que faz parte de um projecto de mercadores que procuravam a
exploração do oceano Atlântico.
Diz-se que por
altura dos Açores foi atingido por violenta tempestade que o arrastou para
Oeste, aportando numa terra desconhecida junto à embocadura de um grande rio,
terra essa identificada como Brasil e o rio como o Amazonas.
No entanto, toda
a documentação da expedição foi destruída por um incêndio ocorrido nos Arquivos
do Almirante em Dieppe no ano de 1694, nada existindo que pareça superar
tal perda.
Bartolomeu Dias
poderia ter atingido o Brasil antes de Cabral e mesmo antes da viagem realizada
por Gama. Afinal quem terá sido o navegador que instituiu a “volta de mar”
usada por Vasco da Gama? Qual o navegador que mais conhecimentos, experiência e
aventureirismo teria para se arriscar no ignoto Mar Oceano, mesmo contrariando
correntes e ventos, na esperança de encontrar “terra firme”? Assim, tendo já
realizado o estudo dessa volta de mar, ainda que secretamente, em data anterior
a 1494, antes da partida da viagem de Gama para a Índia, e não na torna-viagem
de 1488, teria sido Bartolomeu o primeiro navegador português a pisar
oficialmente solo de terras brasileiras.
Como já vimos,
Bartolomeu parte do Tejo em Agosto de 1487. Descobre e passa o cabo das
Tormentas em 1488 e foi impedido pela tripulação de rumar à Índia.
Bartolomeu era um capitão e navegante de uma enorme coragem, capaz de afrontar todos os perigos e desafios. Com ele, apenas tem comparação Nicolau Coelho, e nalguns aspectos, Duarte Pacheco Pereira.
Bartolomeu era um capitão e navegante de uma enorme coragem, capaz de afrontar todos os perigos e desafios. Com ele, apenas tem comparação Nicolau Coelho, e nalguns aspectos, Duarte Pacheco Pereira.
No regresso do
Rio do Infante, a frota fez navegação costeira percorrendo a parte meridional
de África, tendo aportado a lugares como a Aguada de S. Jorge, o Cabo das
Agulhas e o Golfo de dentro das Serras, junto ao qual se ergue o majestoso
promontório do Cabo da Boa Esperança. Fazendo rumo Norte entrou pela segunda
vez na Angra das Voltas, em 24 de Julho. Da restante singradura de regresso só
se conhecem 3 portos de escala. Na Ilha do Príncipe, donde trouxe para Portugal
o roteirista Duarte Pacheco que se encontrava enfermo, no Rio de Resgate e na
Mina.
Como já nos temos
questionado, daí, terá realizado um alargamento da “volta da Guiné”,
aproximando-se ou tocando mesmo a costa brasileira? Ou ter-se-á aventurado em sigilo para Oeste, depois da descoberta da passagem para o Índico? É facto que ficará para
sempre no espaço das meras probabilidades, mas possível pela demora da sua
aterragem em Lisboa, em Dezembro de 1488.
Duarte Pacheco
Pereira, militar, erudito versado em navegação, participou como testemunha no
Tratado de Tordesilhas. Fez parte da frota de Pedro Álvares Cabral e foi à
Índia com Afonso de Albuquerque, como capitão da nau “Espírito Santo”.
Já vimos que Bartolomeu
Dias na torna-viagem do Cabo das Tormentas aportou à Ilha do Príncipe, donde
trouxe para Portugal o roteirista Duarte Pacheco, que se encontrava enfermo.
No seu livro Esmeraldo
de situ orbis, redigido entre 1505 e 1508, faz constar que no ano de 1498
tendo-lhe o rei ordenado que fosse descobrir terras ocidentais, passando além
da grandeza do mar oceano, achou uma grande “terra firme” – sinónimo de
continente – com muitas e grandes ilhas adjacentes, sendo nela encontrado
muito fino Brasil (pau) com outras muitas coisas.
Dizia saber por
experiência própria e informações alheias (as de Bartolomeu Dias?,
perguntamo-nos), que além do Grande Mar Oceano se encontrava uma costa que se
estendia desde 70º Norte até 28,5 ao Sul.
Não querendo
colocar em causa as afirmações de militar e roteirista de tão elevado carácter
e grandiosidade de feitos, que pode inclusivamente ter assistido ao achamento
do Brasil pelo capitão navegador Bartolomeu Dias, somos desde já forçados a
considerar que Cabral não foi o descobridor do Brasil.
Alonso de Hojeda
(1466-1516) e Américo Vespúcio (1454-1512) terão também chegado ao Brasil, ao
delta do Rio Açu, no Rio Grande do Norte, em Junho de 1499, segundo Varnhagen.
Um outro
historiador assevera que apenas Vespúcio atingiu o Brasil, enquanto que numa
outra tradição se afirma que Vespúcio nunca navegou. Enfim, tudo se complica.
É quase certo que o navegador Vicente Yánez Pinzón (1462-1514), atingiu o Cabo de Santo
Agostinho em Pernambuco ou o Cabo Mucuripe, no Ceará, em 26 de Janeiro de 1500.
Inclinamo-nos mais para o Cabo de Santo Agostinho.
Vicente Pinzón
que partiu com Colombo em 30 de Abril de 1492 no comando da nau Nina.
É ele que nos
confirma a sua presença no Brasil, antes de Cabral. Ele e vários historiadores
da sua época, com especial relevância para Juan de La Cosa (1460-1510).
Segundo os
arquivos, terá partido de Palos no dia 18 de Novembro de 1499 e alcançado uma
terra ao Sul do Equador em Janeiro de 1500. Pinzón ter-lhe-á chamado “Santa
Maria de la Consolación”.
Também Diego de
Lepe, terá desembarcado em Fevereiro de 1500, junto ao Cabo de Santo Agostinho
ou do Cabo de São Roque, no Rio Grande do Norte.
Não mencionamos
aqui em pormenor o facto de Pêro Lopes de Sousa (1509-1540), no seu Diário de
Navegação, referir a existência de um português encontrado em Cananéia e que
teria chegado ao Brasil antes de 1500, o mesmo se dizendo do relato do
navegador espanhol Diogo Garcia, que em 1528 remeteu um documento à corte
espanhola onde refere a existência no Brasil, há mais de 30 anos, de um
degredado português, bacharel Cosme Fernandes – poderá ser o mesmo indivíduo
deixado nesse lugar pela expedição de 1502 de Gonçalo Coelho e Américo Vespúcio.
Também parece não merecer credibilidade, quanto ao seu conteúdo, o testamento de
João Ramalho, transcrito nas notas da Vila de S. Paulo, em 3 de Maio de 1580, perante o tabelião Lourenço Vaz, onde o dito João Ramalho afirmou ter 90 anos
de permanência em terras do Brasil, onde teria chegado em 1490, ou seja antes
da viagem de Colombo e da de Cabral. No mesmo sentido a carta de um tal Estevão
Fróis ao rei D. Manuel faria prova da colonização do Brasil anterior à
descoberta de Cabral, mas sem que mencione datas concretas.
De qualquer modo,
Cabral veio depois, em Abril de 1500, e as Cartas de Pero Vaz de Caminha e
de Mestre João, bem como a Relação do Piloto Anónimo, não são
determinantes para o conhecimento do verdadeiro achamento do Brasil, não
obstante Mestre João ter indicado ao rei para ver a localização
dessa terra consultando o mapa-múndi que estava na posse de um tal Pêro Vaz
Bisagudo, o que parece pressupor em tese contrária à dominante, um conhecimento
anterior dessa “terra firme” devidamente cartografada.
Cabral não foi o
descobridor do Brasil, mas antes o que oficializou uma descoberta anteriormente
realizada, muito provavelmente antes da celebração do Tratado de Tordesilhas e
que não foi comunicada ao mundo por via dos interesses portugueses e da sua
política de sigilo.
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