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Pode dizer-se que a
navegação astronómica, no seu sentido mais rigoroso, só começa a existir quando
os navios se começaram a distanciar muitas milhas das costas. Em Portugal, sem
que consigamos definir uma data concreta, iremos situá-la no século XV, ao
tempo do Infante D. Henrique. Não é de todo tarefa fácil determinar o ano em que
os pilotos começaram a utilizar o método de comparação de alturas de
estrelas, apenas se sabendo que deve ter sido antes de 1460, por tal ser
referido por Diogo Gomes.
Os pilotos começaram por
observar a altura da estrela Polar sobre o horizonte, verificando que essa
mesma altura diminuía à medida que
faziam rumo para Sul. O citado Diogo Gomes refere um outro procedimento – ver
infra – e posteriormente os navegantes passaram a recorrer à comparação de
alturas de outras estrelas para além da Polar, comparação que os deve ter
conduzido à determinação da latitude.
A última fase da
navegação astronómica – excluindo-se como é óbvio o cálculo da longitude
– é a do cálculo da latitude à meridiana, que se obtém medindo a altura do Sol
no momento da sua passagem pelo meridiano do lugar, desde que conhecida a
declinação solar para o dia da observação. Não podemos nesta sede olvidar o
processo de determinação da latitude pela observação da Estrela Polar.
RUMANDO PARA OCIDENTE
Em quatrocentos,
os cartógrafos desenharam longinquamente a Oeste, numa latitude idêntica à dos
Açores, uma ilha provavelmente fruto da imaginação da época, a que chamaram
Antília, nome posteriormente mudado para Ilha das Sete Cidades. Daqui nasceram
múltiplas lendas, todas elas inconsistentes.
Documentada está,
no entanto, a viagem realizada por volta de 1452 por Diogo de Teive.
Embora
desconhecida a rota, o navio terá feito uma primeira escala nas ilhas dos
Açores e daí Diogo terá percorrido entre 500 a 600 milhas na direcção de Sudoeste.
Este rumo levá-lo-ia às Antilhas, mas o facto de em tão grande distância não
avistar terra, fez com que retornasse, passando pelas ilhas do Corvo e das
Flores, das quais foi o descobridor.
Deste modo,
apesar do objectivo principal da expansão portuguesa estar concentrado na costa
africana, outros navegadores aventuravam-se na exploração do Atlântico
setentrional.
O DESCOBRIMENTO
DA COSTA AFRICANA
No ano de 1456, o
Infante D. Henrique concedeu o “espiritual” das terras de África até então
descobertas à Ordem de Cristo. Neste documento faz o Infante um historial da
actividade exploratória desenvolvida durante cerca de quarenta anos.
Tenha-se em
consideração, que entre o Cabo Não e o Cabo Bojador não terão sido os
portugueses os primeiros a pisarem tais terras, mas os navegadores espanhóis
partindo das Ilhas Canárias. Só por mera hipótese de intuição se poderá
considerar que algum desses navegadores se tenha aventurado para além do
Bojador.
Nos primórdios
dos descobrimentos o Cabo Não era o limite, o que não se podia ou muito
dificilmente se poderia ultrapassar, conforme ditava o provérbio: “Aquele que
ultrapassar o Cabo Não ou voltará ou não”. Temos dificuldade em localizar tal
Cabo. Talvez fosse o Cabo Drâa, ou o Cabo Juby mais a Sul, não nos parecendo
que seja identificável com o Bojador.
O Bojador é um
cabo difícil. Se todos os cabos têm as suas especificidades e impõem cuidados
redobrados aos navegadores no resguardo que lhes têm de dar, aquele com uma
longa restinga que penetra o oceano por várias milhas náuticas (1 milha – 1852
m) obriga a um largo volteio sob pena de naufrágio certo.
Daí se compreende
que tenham sido preparadas mais de dez expedições, talvez quinze, que
resultaram infrutíferas.
Em 1426 Frei
Gonçalo Velho tê-lo-á tentado atingir, tal como o próprio Gil Eanes no ano de
1433, mas sem que o conseguissem dobrar. Frei Gonçalo Velho ter-se-á ficado num
local denominado Terra Alta, localizada entre o Cabo de Guer e o Bojador.
Por outro lado,
os navegantes receavam ver-se impossibilitados de retornar após terem dobrado o
Cabo, por força dos ventos contrários.
Por fim, em 1434,
um ano depois de o ter tentado pela primeira vez, Gil Eanes na sua pequena Barca
dobra vitoriosamente o Cabo Bojador, facto cuja importância é de todo inquestionável
para o célere avanço na costa africana.
A barca
era uma pequena embarcação muito utilizada na pesca e na navegação costeira,
com uma dimensão de cerca de trinta tonéis. No caso em apreço, o tonel era a
medida utilizada para indicar a capacidade das embarcações e navios – um
tonel tinha um volume de 1,5 metros cúbicos.
Entre 1435 e
1436, Gil Eanes de novo na sua barca e Afonso Gonçalves Baldaia ao comando de
um varinel atingem a Pedra da Galé – Pedra de la Galéa. Descobrem nos
cerca de 600 Km de costa até à dita Pedra, a Angra dos Ruivos (Garnet Bay) e o
Rio do Ouro.
O varinel
era uma embarcação de proa elevada, que procurou substituir as barcas no mar
alto e com capacidade de cinquenta tonéis. Especialistas classificam-no como o
pior dos navios da época dos descobrimentos.
Entre o ano de
1436 e o de 1440, por várias vicissitudes ocorridas no reino, a actividade dos Descobrimentos
esteve na prática paralisada.
A partir de 1440
com as novas exigências de ir mais e mais longe, provavelmente na mira do
caminho marítimo para a Índia, procura substituir-se a barca e o varinel por
caravelas.
A caravela
aproveitando melhor o vento evitava as “torna-viagens” com a denominada “volta
da Guiné”. Esta “volta”, com rumo de Noroeste destinava-se a evitar os ventos
de Nordeste.
Nas cartas infra, vejam-se as correntes e ventos dominantes no Atlântico.
Em 1441, Nuno
Tristão, foi encarregado pelo Infante de ir o mais além que lhe fosse possível
da Pedra da Galé. Nesta viagem atingiu o Cabo Branco.
Numa segunda
viagem, em 1443, o mesmo Nuno Tristão atinge o Golfo de Arguim.
Na terceira viagem
Nuno atinge Terra dos Negros, perto da foz do Senegal.
Foi morto no ano
de 1446 quando se dirigia para terra num batel, em local desconhecido,
provavelmente na foz de um rio, para além do Red Cape, talvez no estuário do
Geba ou no do Gâmbia.
Foi um mancebo de
17 anos, Aires Tinoco, que conduziu pelo largo o retorno do navio de Nuno
Tristão a Portugal.
No ano de 1444,
Dinis Dias atinge o Cabo Verde (Cabo e não as ilhas) e a ilha das Palmas
(Gorée).
Em 1445, Álvaro
Fernandes, passa o Cabo Verde e atinge o Cabo dos Mastros (Red Cape).
Julgamos que terá
sido Álvaro Fernandes e não Nuno Tristão a descobrir a zona setentrional da
antiga Guiné portuguesa.
Em 1456 terão
sido descobertos os rios da Guiné e o arquipélago dos Bijagós, conforme
referido por Cadamosto.
Ainda durante a
vida do Infante D. Henrique, Pedro de Sintra, estendeu os descobrimentos do rio
Gaba à Serra Leoa.
Será interessante
anotar, que Cadamosto se arroga a descoberta das ilhas orientais do arquipélago
de Cabo Verde, na viagem que realizou em 1456, contrariando a afirmação de
Diogo Gomes, que as terá avistado em 1460, ano da morte do Infante D. Henrique.
Diogo Gomes
refere o método segundo o qual procurava localizar o lugar costeiro
atingido ou fixar a posição do navio sem
vista de terra por comparação de alturas meridianas da Estrela Polar.
Ele e os pilotos
do seu tempo, observavam a altura da Estrela Polar nos locais onde aportavam.
Utilizavam então um quadrante para inscreverem o nome desse lugar na graduação
nele inscrita e que àquela correspondia. Deste modo, em viagem, tirando a
altura da polar e conhecendo a altura da mesma relativa a um certo lugar
inscrita na tábua do quadrante, podiam calcular a distância meridiana a que se
encontravam quer do paralelo do ponto de partida, quer do paralelo do destino.
O quadrante é um
instrumento de visada da altura dos astros, constituído por um quarto de
círculo, limitado por dois raios perpendiculares, cujo limbo se encontra
dividido em graus.
Já com alguma
certeza se pode dizer que foi Diogo Afonso, escudeiro do Infante, o descobridor
das ilhas ocidentais de Cabo Verde, em viagem ocorrida entre 1461 e 1462.
O COMÉRCIO DE
ESCRAVOS
Alguns
historiadores referem que foi a partir da viagem de Gil Eanes, que trouxe para
Portugal a primeira “carga” de escravos, que os portugueses os começaram a
traficar, detendo o domínio deste comércio durante o século XV.
No entanto, a
criação de feitorias, como a de Arguim no ano de 1450, permitiu que fossem
vendidos em segurança os produtos portugueses, em troca de ouro, especiarias e
escravos.
Foram
inclusivamente criadas várias companhias para o efeito, como a dos Lagos.
A própria Igreja
de Roma pela Bula Dum Diversas de 18 de Junho de 1452, do papa Nicolau
V, concedia a D. Afonso V e seus sucessores, a faculdade de conquistar e
subjugar as terras dos infiéis e de os tornar escravos.
Aos portugueses,
neste próspero negócio, que apesar de tudo se manteve ainda que encapotado
quase até ao fim do Império, seguiram-se-lhe os espanhóis, ingleses, holandeses
e franceses.
Os escravos foram
transportados até ao século XIX em navios vindos de África, apelidados de
“negreiros” ou “tumbeiros”. Os comerciantes compravam escravos já escravizados
por outros africanos, aprisionados nas guerras tribais.
Homens, mulheres
e crianças, todos acorrentados, eram literalmente amontoados em pequenos
compartimentos do porão onde grande parte sucumbia à demorada viagem. Nesse
local de transporte, faziam as suas necessidades, vomitavam por enjoo de mar ou
doença, comiam a parca comida que lhes era atirada do convés e conviviam com os
corpos dos que iam morrendo e rapidamente entravam em putrefacção, no meio das
fezes, urina e vómitos.
Por vezes, em
temporais de mar grosso, desfeito, os capitães ordenavam que fossem alijados ao
oceano os corpos dos mortos e dos moribundos, aliviando assim a carga do navio
para que melhor pudesse suportar a fúria do mar.
No século XVI os
escravos passariam a ser exportados para o Brasil nessa abominação denominada
“navios-negreiros”. No século XVII, Angola, pelo porto de Luanda, foi um dos
mais importantes centros de comércio de escravos para o Brasil.
Cerca de 12 milhões de homens, mulheres e crianças,
atravessaram o Atlântico rumo às Américas, de molde a satisfazer as
necessidades de mão-de-obra e libidinosas de colonos sem escrúpulos.
No reinado de D.
José, em 12 de Fevereiro de 1761, por obra do Marquês de Pombal foi abolida no
Reino de Portugal (só na Metrópole) e na Índia a escravatura.
Em !807 a
Inglaterra decreta a abolição total da escravatura.
Como escreveu Sá
da Bandeira em 10 de Dezembro de 1836, aquando da abolição quase integral da
escravatura, “O infame tráfico dos negros é certamente uma nódoa indelével na
história das Nações modernas” – veja-se o Decreto de abolição.
Nem todos concordavam
com a escravatura. Honre-se o navegador espanhol Rodrigo de Bastidas
(1460-1526), explorador da América Central, que em 25 de Julho de 1526,
acompanhado de umas centenas de colonos fundou na costa da Colômbia a cidade de
Santa Marta, tentando sempre proteger os indígenas da escravidão e instigando
aqueles a trabalharem pelas suas próprias mãos.
Veja-se ainda »
(BLOGUE DE NAVEGAÇÃO)